Em
algum dia de 1909, na pacata cidade de Coritiba, o jovem Augusto Stresser
sentou-se em sua bela escrivaninha, molhou em tinta sua caneta de bico de pena,
e escreveu à mão as últimas notas que compunham canções de sua imaginação,
árias e coros que contavam uma história de amor, morte e traição.
Três
anos depois, às 21 hs do dia 03 de maio de 1912 e em sucesso retumbante, a
elite cultural e política do Paraná acomodava-se nas cadeiras do Theatro
Goayra, para assistir à elegante estréia da ÓPERA SIDÉRIA, a primeira ópera genuinamente
paranaense. Na platéia, presente o Excelentíssimo Senhor Presidente do Estado.
No espetáculo, solistas do Rio de Janeiro especialmente convidados, músicos da
cidade e de outros estados, e um coro de cinqüenta vozes locais, cantores nos
corais nas igrejas da cidade.
Mas
como era Curitiba (ops! Desculpem, é o
hábito! De novo...). Mas como era Coritiba,
naquela primeira década do século XX? Que acontecia no mundo da arte, que
influenciava o sensível Augusto em sua pacata cidade?
(Cartaz de Mucha)
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O
início do século XX é um período curioso. Para o passado ficava a tenebrosa
herança da escravidão, e o mundo parecia mais justo sob o olhar abolicionista. E
naqueles primeiros e alegres anos do início de século, nada havia que pudesse
antecipar as duas terríveis grandes guerras mundiais que, ao final, tornar-se-iam
os eventos marcantes do século XX. Mas
um sentido de crise ainda paira no ar. Profundas mudanças sociais já são
perceptíveis, surgiram os produtos, comércio e propaganda das primeiras
revoluções industriais. É necessário lembrar que, embora a idéia da mudança
tecnológica e de suas conseqüências seja usual para a contemporaneidade, era
uma novidade sem precedentes históricos, para aqueles que viveram no limiar do
século XX.
Em
todo o mundo – e até mesmo na nossa
pacata Coritiba! -, sente-se esta urgência do “novo” e do “moderno”, de
forma tão ostensiva como a conhecemos hoje, no ambiente urbano. Com o advento
da iluminação pública, e consequentemente dos dias mais extensos e também mais
trabalhosos, até mesmo o espaço urbano passa a ser adequado aos “novos tempos”.
Carros, telefones, fotografias e até cinemas mudam costumes antigos e
arraigados. A pesquisa e utilização de opções tecnológicas mais adequadas
resultam em uma nova estética, que torne visível a mudança de paradigma também
na arquitetura, engenharia e urbanismo.
No
início do século XX, os cânones artísticos e a hierarquia das Belas Artes, como
impostos pelas Academias de Arte oficiais, havia resultado em uma
mercantilização das obras de arte então produzidas. Os trabalhos aceitos e
premiados nos salões oficiais seguiam cânones formais, em composições
aparentemente uniformizadas, e transformaram a produção artística em uma
mercadoria cada vez mais voltada ao benefício dos detentores de sólido poder
financeiro, atendendo apenas ao mercado de encomendas do Estado ou de
particulares. De certa forma, pode-se dizer que era uma arte de imitação,
pomposa e estacionária.
Acrescente-se
a este fato, que a pintura de cavalete – que resulta em uma obra autônoma de
fácil transporte – havia rompido a tradição de séculos, em que a obra de arte
era parte inerente da arquitetura. A separação da arquitetura das belas-artes
teve resultado desastroso para a escultura. Neste período, à exceção do gênio
de Rodin, não se tem a projeção de nenhum escultor (a), tampouco a execução de
obras escultóricas significativas. Neste contexto, os artistas excluídos ou
discordantes da política dominante no cenário artístico oficial, ou aqueles que
não se mantinham imunes às mudanças sociais que presenciavam e sentiam
necessidade de absorver e expressar através da própria produção artística,
afastavam-se dos centros oficiais de arte e criavam espaços alternativos de
exposição, troca de idéias e pesquisa, até o ponto em que a própria Academia e
seus Salões oficiais passaram a perder o prestígio de antes.
No
final do século XIX, a Europa viu surgir uma nova estética, a que muitos se
referiam como a Arte Nova, e acabou registrada pela história como “Art
Nouveau”. E é inegável que o movimento influenciou os artistas de toda uma
geração, e tem uma memória surpreendentemente longa na sociedade, até hoje
relembrada nostalgicamente como a Belle Époque. São deste período os cartazes
publicitários de Mucha, os cartazes do Moulin Rouge por Tolouse Lautrec, as
estamparias das telas de Klimt, as jóias e os vitrais de Vever, Tiffani e
Lalique.
(Vitral da Tifanny)
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Entretanto,
poucos artistas são especificamente identificados com o movimento.
Curiosamente, a memória histórica registrou a temática da natureza estilizada,
a estética orgânica das composições e artes aplicadas, os cartazes
publicitários, móveis e jóias, linhas curvas e composições sinuosas, mais do
quê o nome dos artistas que os produziram.
É
possível que para esta realidade, concorra o fato de que muitos dos artistas de
vanguarda, com obras únicas e propostas inovadoras, tenham experimentado o
estilo ou a temática em alguma fase de suas produções. Os artistas da Art
Nouveau elegeram a flor estilizada, como o elemento predominante. E também de
maneira definitiva, acrescentam-se as estilizações da árvore com as folhagens,
o lis, a íris, a trepadeira, a papoula, o pavão (considerado uma ave-flor),
predominando a linha ondulante. A figura feminina ressurge, com graça
ondulante, sensualidade e delicada suavidade, cabelos em longas volutas,
panejamentos em movimentos harmônicos.
A
Art Nouveau, presente nas estamparias, na publicidade, nas jóias, na
arquitetura e no urbanismo, acarretou uma verdadeira explosão de criatividade
em todo o mundo, inclusive em nosso país.
Em
Curitiba, além dos portões do Passeio Público, também o prédio do antigo Museu
Paranaense (hoje Paço da Liberdade, restaurado pelo SESC) ainda preserva o
estilo e a influência da Art Nouveau na cidade.
E
esta urgência do “novo” e do “moderno”, também foi sentida na música. E como
uma passagem natural do romantismo precedente, os temas e melodias tornaram-se
nacionalistas, buscando nas raízes de cada povo, de suas histórias, canções e
harmonias, o som de um novo mundo.
Interessante
observar que Augusto Stresser é contemporâneo de Villa Lobos. Em 1912, ano de estréia
da ópera Sidéria, Villa Lobos estava com 25 anos e já com seu característico
estilo modernista delineado. No ano seguinte, 1913, Heitor se casaria com a
pianista Lucilla Guimarães. Em 1917 compôs Danças Características Africanas, e
em 1917 (um ano antes do falecimento de
Augusto Stresser), Villa Lobos terminou de compor os bailados Amazonas e
Uirapuru.
Assim
comparando, não é de estranhar a escolha temática de Augusto Stresser, pelo
Cerco da Lapa e a história de sua amada cidade, tampouco o romantismo inerente
e a feminilidade louvada, sob sua autoria.
SIDÉRIA,
portanto, é uma ópera que reflete não só a sensibilidade de seu compositor, mas
também a esperança da população da Coritiba do início de século, por inserir
nossa pacata cidade em um ambiente de modernidade e cultura, e artisticamente
atuante no cenário nacional.
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(referências
bibliográficas)
[1] A Arte Nova,
Champigneulle, B. Tradução de Maria Jorge Couto Viana. Editorial Verbo, 1984
[2] Do Rococó ao
Cubismo, na arte e na literatura. Sypher, Wylie. Tradução de Maria Helena Pires
Martins. Editora Perspectiva, 1980
[3] Arte Moderna.
Argan, Giulio Carlo. Tradução Denise Bottmann e Federico Carotti. Companhia das
Letras, 2ª reimpressão, 1993
[4] História Social da
Arte e da Literatura. Hauser, Arnold, tradução Álvaro Cabral. Martins Fontes,
1ª edição abril de 1995, 4ª tiragem agosto 2003, Coleção Paidéia.
[5] Profissão Artista,
Pintoras e Escultoras Acadêmicas Brasileiras. Simioni, Ana Paula Cavalcanti.
EdUsp/Fapesp – 2008.
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